Fonoaudióloga desvenda casos que chegam ao MP através de escutas


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Maria dos Carmo Gargaglione passa o dia ouvindo vozes. Roucas, estridentes, aveludadas, com sotaque ou não, elas povoam a mente da carioca de 49 anos até quando a cabeça já está no travesseiro. Desde 2005, Maria do Carmo é perita de voz do Ministério Público (MP) do Rio, responsável por ajudar a desvendar alguns dos principais casos investigativos da cidade através de escutas telefônicas.

– Se estou investigando muito a fundo, fico com aquela voz na minha cabeça o tempo inteiro. Se vou a algum lugar e a pessoa passa falando, eu sei na hora que é ela – afirma Maria do Carmo, a voz segura e pausada. – A gente fica que nem cego. Desenvolve o canal auditivo muito mais do que o normal.

Fonoaudióloga da prefeitura do Rio por anos, Maria do Carmo tinha uma vida monocórdia: trabalhava fazendo perícia médica de professores do município. Ou seja: analisava se estavam ou não em condições de dar aula. Nada nem perto de lhe tirar o sono ou exigir escolta de segurança. Até que, em 2002, “por falta de profissionais especializados”, foi chamada para fazer perícia de voz no caso do assassinato do cirurgião plástico Ox Bismarchi, e em 2005, entrou no caso de Pezão, um dos chefes da quadrilha que domina a venda de drogas no Morro do Alemão.

O trabalho preciso e astuto chamou a atenção de Marfan Martins Vieira, procurador-geral de Justiça do estado, então procurador do MP, que a convidou para chefiar a Dedit (Divisão de Evidências Digitais e Tecnologia) da CSI (Coordenadoria de Segurança e Inteligência). Lá, comanda 12 pessoas: um policial, dois especialistas em computação forense e nove fonoaudiólogos. Sua veia detetivesca (“minha vocação surgiu aos 10 anos, quando li a coleção toda da Agatha Christie”) fez com que o Rio se destacasse na resolução de casos através de escuta telefônica.

O caso mais recente solucionado por Maria do Carmo e sua equipe foi o da morte do traficante Mario José Sabino Pereira, o “Matemático”, assassinado em 2012. Preocupada em se atualizar, a perita vai de dois em dois anos à Universidade do Colorado, em Denver, “o centro da galáxia em perícia digital”, para seminários com o FBI e centros de inteligência do mundo inteiro. Especialista em “carioquês”, nenhuma gíria nova passa impune aos ouvidos de Maria do Carmo.

– O trabalho de perícia de voz está ganhando cada vez mais importância na resolução dos casos, e não damos conta de tudo que chega. Só no MP há profissionais especializados. Nenhuma polícia tem – diz a perita.

Desde então, ela muda o corte e a cor dos cabelos a cada três meses, anda de carro blindado e não diz onde mora com o marido e as duas filhas (uma de 14 e outra de 20). Implacável até dentro de casa, a perita afirma:

– Mentir para mim elas (as filhas) não conseguem. Meus pais também. Vejo logo: ih, tá tenso, tá nervoso, tá mentindo.

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